O glioblastoma é o tumor cerebral maligno mais comum, representando uma proporção significativa dos tumores primários do sistema nervoso central. Conforme os dados do GLOBOCAN, a taxa de incidência global é de aproximadamente 2 a 3 casos por 100.000 pessoas por ano, com uma prevalência maior nos Estados Unidos e na Europa.
Incidência e Distribuição Global:
A incidência do glioblastoma é mais alta em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e países da Europa Ocidental. Essa diferença na prevalência pode ser atribuída a diversos fatores:
Demografia e Fatores de Risco:
Glioblastomas têm alto poder infiltrativo e podem propagar-se à distância no mesmo hemisfério através de tratos da substância branca. Podem também propagar-se ao outro hemisfério pelo corpo caloso, como demonstrado aqui. A isto se chama ‘tumor em asa de borboleta’. Apesar da tendência a infiltrar o tecido nervoso, glioblastomas praticamente nunca dão metástases fora do sistema nervoso central.
Glioblastomas são os tumores primários do sistema nervoso central que mais sofrem hemorragias, devido à alta vascularização. Ainda assim, hemorragia é mais comum em metástases que em gliomas. Na foto à direita é possível notar o infarto calcarino, secundário à compressão da A. cerebral posterior por hernia de uncus (esta não visível neste plano de corte).
Grau I – Gliomas de Baixo Grau (Lesões Não Infiltrativas)
Os gliomas de grau I são caracterizados por serem lesões não infiltrativas, com baixo potencial proliferativo, e ausência de atipias nucleares, mitoses, proliferação endotelial ou necrose. Esses tumores são os menos agressivos e têm uma taxa de crescimento lenta. Exemplos incluem o astrocitoma pilocítico, comum em crianças e jovens, que frequentemente tem bom prognóstico após a ressecção cirúrgica.
Grau II – Gliomas de Baixo Grau (Lesões Infiltrativas)
Os gliomas de grau II, embora ainda considerados de baixo grau, são mais agressivos que os de grau I. Eles são geralmente infiltrativos, apresentando atipias nucleares e um baixo índice mitótico, mas sem proliferação endotelial ou necrose. O astrocitoma difuso e o oligodendroglioma são exemplos típicos. Esses tumores podem evoluir para formas mais agressivas ao longo do tempo.
Grau III – Gliomas de Alto Grau (Lesões Infiltrativas)
Os gliomas de grau III são tumores malignos com comportamento infiltrativo, caracterizados pela presença de atipias nucleares e alto índice mitótico. Eles são mais agressivos que os de grau II, frequentemente associados a uma menor sobrevida. O astrocitoma anaplásico e o oligodendroglioma anaplásico são exemplos dessa categoria, requerendo tratamento mais intensivo, geralmente incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia.
Grau IV – Gliomas de Alto Grau (Lesões Infiltrativas com Alta Agressividade)
Os gliomas de grau IV, como o glioblastoma, representam a forma mais agressiva de gliomas. Esses tumores são altamente infiltrativos e exibem três ou quatro critérios de malignidade, incluindo atipias nucleares, alto índice mitótico, proliferação endotelial e necrose. O glioblastoma é notório pela sua rápida progressão e pobre prognóstico, sendo o foco de várias pesquisas para novos tratamentos.
Histologicamente, Glioblastoma caracteriza-se por: alta celularidade, atipias nucleares, mitoses, proliferação vascular e áreas de necrose em pseudopaliçada. Cada um desses itens será abordado abaixo:
1. Alta celularidade: No glioblastoma, a hipercelularidade é uma característica marcante, observada pela alta densidade de células neoplásicas variadas, incluindo formas fusiformes, multinucleadas e pleomórficas. Esse aumento de celularidade ocorre de forma heterogênea, com regiões altamente povoadas por células tumorais, criando um gradiente onde áreas hipercelulares alternam com regiões menos densas.
Neoplasia hipercelular com infiltração no parênquima cerebral circundante (gradiente de celularidade) (H&E, 40x). Contribuição de Bharat Ramlal, MD.
2. Atipias nucleares (pleomorfismo, hipercromatismo): No glioblastoma com características de células gigantes, observa-se a presença de células neoplásicas com tamanho aumentado e um pleomorfismo nuclear acentuado. Essas células apresentam núcleos de formas e tamanhos variados, muitas vezes multinucleados, indicando a natureza agressiva e desorganizada do tumor. O pleomorfismo nuclear reflete a instabilidade genética e a alta taxa de proliferação das células, características típicas dos glioblastomas mais agressivos.
Glioblastoma com características de células gigantes mostrando células neoplásicas com pleomorfismo nuclear acentuado (H&E, 400x). Contribuição de Meaghan Morris, MD, Ph.D.
3. Mitoses, freqüentemente atípicas: A atividade mitótica rápida é outra característica marcante, evidenciada pela frequência elevada de figuras de mitose, o que demonstra o ritmo acelerado de divisão celular e a agressividade da neoplasia.
Neoplasia hipercelular com atipia nuclear e atividade mitótica rápida (círculos) (H&E, 200x). Contribuição de Bharat Ramlal, MD.
4. Proliferação vascular, formando às vezes pseudoglomérulos: A proliferação vascular nesta neoplasia é um sinal distintivo de agressividade, com vasos sanguíneos que se multiplicam desorganizadamente. Esse crescimento vascular desordenado leva, por vezes, à formação de estruturas semelhantes a glomérulos, chamadas pseudoglomérulos. Essas estruturas são compostas por vasos agrupados de maneira irregular e tortuosa, resultando em uma aparência que lembra os glomérulos renais.
A presença de pseudoglomérulos indica uma tentativa do tumor de suprir sua alta demanda metabólica, sendo um achado importante para o diagnóstico de neoplasias com elevado potencial de invasão e crescimento rápido.
Proliferação microvascular glomerulóide (H&E, 100x). Contribuição de Bharat Ramlal, MD
5. Áreas de necrose, pequenas ou extensas, que podem mostrar pseudopaliçadas de núcleos ao redor: A necrose pseudopaliçada é uma característica típica de certos tumores agressivos, em que células neoplásicas organizam-se ao redor de áreas centrais de necrose. Nesse padrão, as células tumorais formam uma disposição em paliçada ao redor da região necrótica, sugerindo um processo de hipóxia, pois o tecido necrosado representa uma área com baixa oferta de oxigênio e nutrientes.
Essa organização das células ao redor da necrose central indica uma adaptação do tumor para crescer e sobreviver em condições adversas, sendo um marcador histológico importante de malignidade e um fator relevante para o diagnóstico e o prognóstico da neoplasia.
Necrose pseudopaliçada com células neoplásicas circundando áreas de necrose central (H&E, 100x). Contribuição de Bharat Ramlal, MD.
Mutações nos genes da isocitrato desidrogenase (IDH), uma enzima que participa do Ciclo do Ácido Cítrico (Krebs), são normalmente observadas em oligodendrogliomas e astrocitomas de grau II. Tais mutações estão associadas a glioblastomas em idade mais jovem e com prognóstico mais favorável.
Com alterações na codificação da IDH, haverá uma redução na quantidade e no potencial efetor dessa enzima. Logo, há redução da conversão de Isocitrato em α-Cetoglotarato (α-KG) e aumento de fator induzível por hipóxia-1α (HIF-1α), um fator de transcrição, e de seus alvos, como GLUT1, VEGF e PGK1. Ademais, essa mesma mutação está associada com a produção de um oncometabólito, o 2-hidroxiglutarato (2HG) de α-KG. Gliomas malignos de IDH1 contêm uma concentração aumentada de até 100 vezes de 2HG, o qual bloqueia a prolil-hidroxilação do colágeno, provocando um defeito na maturação de suas proteínas, o que gera alterações da membrana basal que podem desempenhar um papel na progressão do glioma.
As mudanças moleculares típicas no glioblastoma incluem mutações nos genes que regulam a sinalização do receptor tirosina quinase (RTK)/ sarcoma de rato (RAS)/fosfoinositídeo 3-quinase (PI3K), p53 e proteína do retinoblastoma (RB). Além disso, mutações no promotor da telomerase pode induzir a imortalização das células tumorais, mas nos tumores com mutações da IDH, as mutações da telomerase não são frequentes e podem apresentar mutações de perda de função.
Pacientes com glioblastoma possuem manifestações clínicas como déficit neurológico focal, sintomas de hipertensão intracraniana e/ou crise convulsiva e cefaleia (sintoma mais comum e que está presente em 30 a 50% dos casos). Se o glioblastoma estiver no lobo frontal, pode haver alteração de personalidade. Por fim, raramente, pode mimetizar um acidente vascular cerebral causado por uma hemorragia intratumoral.
“Em nível populacional, a maioria dos pacientes com glioblastoma primário (68%) tinha história clínica de menos de 3 meses. A duração média da história clínica de pacientes com glioblastoma primário e secundário foi de 6,3 e 16,8 meses, respectivamente. Da mesma forma, pacientes com glioblastomas sem mutações IDH1 tiveram uma duração média dos sintomas clínicos anteriores de 3,9 meses, significativamente menor do que pacientes com glioblastoma IDH1 mutados. Glioblastomas diagnosticados clinicamente como primários tinham uma história clínica média de cerca de 4 ( IDH wt ) e 29 meses ( IDH wt )mut ), respectivamente.” (OHGAKI, KLEIHUES, Clinical Cancer Researsh, 2013, p. 768)
Recursos de imagem melhoram a previsão de sobrevida em pacientes com glioblastoma, pois amplificam o gerenciamento do paciente ao não utilizar apenas recurso clínico. Além de exames como a Ressonância Magnética (RM), a adoção de um léxico controlado facilita a criação de um acervo de conhecimentos mais concretos sobre características clínicas, de imagem e genômica, de modo que estejam sempre relacionadas. Tudo isso proporciona uma comunicação mais clara entre médicos, entre médico e paciente e, ainda, possibilita a formulação de hipóteses mais certeiras.
O Glioblastoma Multiforme, classificado como um astrocitoma grau IV pela OMS, deve ser diferenciado de outras lesões cerebrais. Entre os principais diagnósticos diferenciais estão:
A confirmação do diagnóstico envolve uma combinação de exames de imagem, biópsia e testes genéticos para distinguir entre essas condições e definir o tratamento adequado.
O glioblastoma é notoriamente difícil de tratar devido à sua agressividade e à sua localização no cérebro, o que limita as opções de tratamento. Mesmo com intervenções multimodais, incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia, a sobrevida média dos pacientes é de cerca de 15 meses após o diagnóstico. As taxas de sobrevida em 5 anos são extremamente baixas, geralmente inferiores a 5%, destacando a necessidade urgente de novas abordagens terapêuticas.
A sobrevida de pacientes com glioblastoma secundário é maior do que de pacientes com glioblastoma primário. “Em um estudo de base populacional, a sobrevida global mediana de glioblastoma secundário diagnosticado clinicamente foi de 7,8 meses, significativamente maior do que a sobrevida de pacientes com glioblastoma primário (4,7 meses)”. (OHGAKI, KLEIHUES, Clinical Cancer Researsh, 2013, p. 769)
Do mesmo modo, pacientes com glioblastoma tratados com cirurgia e radioterapia demonstrou tempo médio de sobrevida global maior se for um glioblastoma com mutação na IDH1 e menor se não houver essa mutação. “O tempo médio de sobrevida global dos pacientes com IDH1 mut glioblastoma foi de 27,1 meses, mais que o dobro do tempo de pacientes com IDH1 wt glioblastoma (11,3 meses)”. (OHGAKI, KLEIHUES, Clinical Cancer Researsh, 2013, p. 769)
Por fim, pacientes tratados com quimioterapia e radioterapia também obtiveram um sucesso maior em caso de glioblastoma com mutação em IDH1. “Yan e colegas relataram que IDH1 mut glioblastomas tratados com rádio/quimioterapia tiveram um tempo de sobrevida global de 31 meses, novamente duas vezes maior que os tumores IDH1 wt.” (OHGAKI, KLEIHUES, Clinical Cancer Researsh, 2013, p. 769)
O tratamento do glioblastoma, o mais agressivo dos gliomas, envolve uma abordagem multidisciplinar, conforme orientações do Ministério da Saúde baseadas nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). A estratégia terapêutica para o glioblastoma inclui cirurgia, radioterapia e quimioterapia, com o objetivo de prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, embora a cura seja raramente alcançada devido à natureza invasiva e resistente do tumor.
A ressecção cirúrgica é o tratamento inicial padrão para o glioblastoma. O objetivo é remover o máximo possível do tumor, pois a extensão da ressecção está associada a uma melhor sobrevida. No entanto, devido à localização infiltrativa do glioblastoma no cérebro, raramente é possível realizar uma remoção completa, e a cirurgia geralmente é seguida de outras modalidades de tratamento.
A radioterapia adjuvante é indicada após a cirurgia para todos os pacientes com glioblastoma. A radioterapia convencional fracionada, geralmente administrada em doses diárias ao longo de várias semanas, visa destruir as células tumorais remanescentes após a cirurgia. A radioterapia é essencial para controlar o crescimento tumoral, apesar de o glioblastoma ser notoriamente resistente a esse tratamento.
A quimioterapia é frequentemente utilizada em combinação com a radioterapia. O agente quimioterápico padrão é a temozolomida (TMZ), que é administrada concomitantemente à radioterapia e depois de forma adjuvante durante vários ciclos. A temozolomida é preferida devido à sua capacidade de penetrar a barreira hematoencefálica e ao seu perfil relativamente favorável de efeitos colaterais. Além disso, em casos de recidiva, outros agentes quimioterápicos, como a carmustina ou irinotecano, podem ser considerados, frequentemente associados a bevacizumabe, um inibidor de angiogênese.
Os pacientes com glioblastoma frequentemente requerem cuidados de suporte para gerenciar os sintomas associados ao tumor e ao tratamento. Isso inclui o uso de corticosteroides para reduzir o edema cerebral, antiepilépticos para controlar convulsões e anticoagulantes para prevenir tromboembolismos. A monitorização contínua e o ajuste das terapias são essenciais para manter a qualidade de vida.
Dado o prognóstico limitado do glioblastoma, os cuidados paliativos são uma parte importante do manejo da doença. Esses cuidados incluem o controle da dor, suporte emocional e intervenções para aliviar outros sintomas debilitantes, garantindo que o paciente tenha a melhor qualidade de vida possível.
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